Entre Roma e Florença existe um enorme e maravilhoso complexo artístico de dois hectares ao ar livre com esculturas gigantescas: o Jardim do Tarô, da artista francesa Niki de Saint-Phalle (1930-2002). Se você estiver percorrendo este trecho de carro, é uma pausa inesquecível na sua viagem.
Hoje o blog completa 7 aninhos de existência. Estou comemorando com um post sobre um lugar bem pertinho de Roma onde passei horas muito felizes.
Quem foi Niki de Saint-Phalle
A artista autodidata iniciou a sua carreira após uma estadia em um hospital psiquiátrico tomando choques elétricos e psicofármacos. Aos poucos começou a pintar e realizar pequenas esculturas e desenvolveu uma linguagem única caracterizada por elementos com um forte caráter matriarcal, como as “nanas“, que eram figuras com seios e ancas acentuados (como as “Vênus” pré-históricas), e pela fantasia infantil (monstros e seres de fábulas).
Quando Niki de Saint-Phalle fala sobre o seu trabalho, descrive-o assim: “(…)[são] esculturas atemporais, lembranças de antigas culturas e sonhos(…)”.
Na prática e nas dimensões gigantescas do parque “Jardim do Tarô“, somos apresentados a ambientes fechados e abertos que quase imitam uma urbanização de uma micro-aldeia de um país inventado, onde podemos entrar nas eculturas em forma de casa (onde Niki morou), cachoeiras, praças, torres, muros e até uma igreja.
Fundamental na sua biografia, e digo isso só por que influenciou muito o seu modo de trabalhar, foi o encontro com o genial artista suíco Jean Tinguely (quem já teve o prazer de ver as suas esculturas e fontes na Suíça sabe do que estou falando) e seu grupo de colegas que repudiava a arte informal que estava tão na moda naquele período, para reciclar objetos, transformar e dar um novo valor semântico a materiais considerados “lixo”.
O Jardim do Tarô de Niki de Saint-Phalle
A respeito da criação deste parque onírico, que iniciou em 1979 e cuja construção durou mais de 17 anos, Niki afirma “(…) deixei a tortura [da sua “doença mental”] para trás. Eu sinto uma ligação mística com a natureza, com o ar, com a luz. Eu sou uma andarilha que procura obstinadamente um tesouro, mas que pouco antes da grande descoberta pára e toma consciência que a procura do tesouro é o próprio tesouro (…)”. Prova disso é que as suas figuras estão harmoniosamente integradas na natureza da “Maremma toscana” (como é chamada esta região); são manchas de cor e vida no meio de oliveiras e pinheiros bravos sobre a terra ocra selvagem onde lobos e raposas caminham livremente.
O Jardim do Tarô está dentro de uma tradição muito italiana iniciada no século XVI (Villa D’Este em Tivoli) e XVII (Bomarzo) de criar jardins fantásticos. Na sua aversão por linhas retas é também clara a influência do Parque Güell de Gaudi, em Barcelona, que a artista afirma ter conhecido em 1955.
Obras do Jardim do Tarô de Niki de Saint-Phalle
Em 1998 o Jardim do Tarô de Niki de Saint-Phalle foi aberto ao público com 22 criações nas formas dos arcanos maiores das cartas de tarô – a definição de “arcano” do dicionário Priberam é 1. Mistério, segredo. 2. Altos juízos. 3. Remédio secreto. São os “trunfos” do maço de cartas.
Niki de Saint-Phalle viveu dentro da “Imperatriz”. Para mim, o grande pulo do gato é pegar o mapa-ticket que eles dão na entrada e ir diretinho lá, para chegar antes de todo mundo e ter o prazer de visitar sozinho esta parte tão especial do Jardim dos Tarôs, que foi a sua casa. A janela redonda tem vista para o mar!
Vale à pena subir em todas as escadas onde for permitido subir, caminhar em todos os muros e sentar la frente da Fonte de Stravinsky (onde se vê bem a presença de Tinguely), que é a “Roda da Fortuna”, lá ficar por alguns minutos observando e deixando-se levar pelas formas criadas da artista que transformou seu sonho em realidade.
Muito curioso também é como foi feito tudo isso: são estruturas em vergalhões tipo CA (fios de ferro) que dão a forma à construção/ escultura penetrável, cobertos por cimento e decorados com mosaicos e cerâmica pela ceramista Venera Finocchiaro. Os mosaicos são um tema à parte: espelhos e vidros de Murano ou de artesãos da República Tcheca, pastilhas de cerâmcia que foram modeladas e queimadas alí mesmo durante a construção. Nem todas as esculturas foram feitas em menor escala, para depois serem construídas, e quem encarou esta encrenca técnica da reprodução do modelo da Niki de Saint-Phalle foi o próprio Tinguely e um artista holandês, Doc Wilson. Venera Finocchiaro modelava as peças em argila sobre a construção de cimento para que a aderência fosse perfeita, antes de queimá-las – por que você vai se perguntar “como eles conseguiram fazer isso?!” quando estiver lá.
Elementos do Jardim do Tarô
As esculturas menores com cores vibrantes: a Temperança, os Namorados, a Papisa, o Mundo, o Eremita, a Morte e o Pendurado, e “la Scelta” (número VI no mapa e qua não sei qual carta seja em português!!!) foram feitas na França, por Niki e seu assistente Marcello Zitelli e transformadas em esculturas de resina de poliéster pelo artista francês Gerard Haligon, que até hoje é o restaurador oficial das peças do Jardim.”
Antes de ir, olhava as fotos e pensava que fosse uma coisa “até que divertida”, para crianças…
Quando cheguei lá fiquei profundamente comovida com o parque e fui envolvida pela sua atmosfera harmônica, pela história da vida da artista, pela natureza, enfim, pelo cuidado e amor com o qual tudo isso foi construído… e ainda por cima todo o esforço que deve ter sido conseguir este terreno (da família nobre Caracciolo) e levantar os fundos de 10 milhões de Liras (quase 10 milhões de euros) de iniciativa privada para realizar esta enorme obra… simplesmente para todo o pessoal que tem vindo à Itália e feito esta viagem de carro, uma parada aqui é como caminhar algumas horas em um sonho.
Bibliografia:
“Niki de Saint-Phalle”, por Carla-Schulz Hoffmann
ilgiardinodeitarocchi.it
INFORMAÇÕES PRÁTICAS sobre como chegar no Jardim do Tarô
É um passeio para crianças pequenas e adultos até à idade onde subir escadas e as pequenas irregularidades do terreno seja um prazer. Tem uma fonte de água potável e bancos e áreas para descansar durante o percurso.
De Roma são 132 km percorríveis em 1h40min na estrada E80.
Não é possível chegar com os meios de transporte público e não há restaurantes por perto (só um pequeno quiosque com comida congelada, bebidas e sorvetes industriais); coma bem antes de chegar!
O Jardim só abria de tarde quando eu fui. Ligue antes para confirmar o horário de abertura que não está anunciado no site oficial!
Loc. Garavicchio, 58011 Capalbio Grosseto
Tel. +39-0564-895122
ilgiardinodeitarocchi.it
Clique no link a seguir para obter mais dicas sobre os arredores de Roma